A autoria em trabalhos científicos sempre foi um tema polêmico na história da ciência. Inicialmente o grande problema referia-se aos plágios. Cientistas roubando as pesquisas alheias e levando o crédito por elas. Esse fenômeno sempre foi facilmente caracterizado como uma afronta a ética e aos bons costumes científicos. Mas nem todos os fenômenos relacionados as autorias são tão ‘preto no branco’. Entram nesse grupo as coautorias não genuínas que possuem pequenas nuances que as diferenciam, mas que se resumem no fato de atribuir uma autoria a quem não é autor. Exemplos clássicos delas são a coautoria honorária e a autoria a convite.
Sabe o caso daquele professor que deu uma disciplina na pós, pediu um artigo que sequer leu e pôs o nome no artigo quando foi para o evento? Então. Coautoria honorária. E aquele outro caso de precisar colocar mais um autor que costuma viajar para o exterior para apresentar seu artigo num congresso internacional já que é mais fácil conseguir verbas para docentes do que para alunos custearem a viagem? Então. Coautoria a convite. Ou o caso de precisar colocar um autor com doutorado para conseguir publicar em uma revista que se recusa a publicar artigos com autores tão somente mestres. Então. Coautoria a convite também.
Outro caso emblemático é a não atribuição de autoria a quem tem o direito. Sabe aquele caso do bolsista de iniciação científica que fez 1/3 da pesquisa e acabou ficando de fora por ‘só ter coletado os dados’ e ‘escrito uns poucos parágrafos’? Então. Autoria fantasma.
É difícil manter uma conduta em conformidade a ética e bons costumes científicos quando isso ocorre porque na ciência, assim como todo o resto da vida, existem regrinhas e usos que se consolidam ao longo do tempo e tendem a não ser questionados.
No primeiro caso, como o aluno vai se rebelar contra o professor da disciplina e se recusar a pôr o nome dele? Se fizer isso, ganha um C e perde a bolsa ou ganha logo um R de reprovado e é convidado a se retirar do programa. Se tornou usual dar autoria de artigos a docentes e orientadores no nosso sistema de pós-graduação, principalmente na esfera pública. Parece haver um acordo não formalizado de que em compensação pelo fato de que os alunos não remunerarem a instituição pública pela pós-graduação que cursam (pelo menos não por mensalidades, mas tão somente por impostos) e pelos docentes não receberam remuneração extra tão somente por atuarem na pós-graduação, fica acordado que haverá uma remuneração dos docentes pelos alunos na forma de coautorias.
No segundo caso o aluno deve perder a oportunidade de publicar um artigo em um grande evento, que pode atrair atenção para a sua pesquisa só porque não tem dinheiro pra fazer uma pequena viagem à Europa ou aos EUA? Se os recursos para se fazer pesquisa em Contabilidade no Brasil já são escassos, que dirá para a publicação da mesma. Existe uma burocracia ineficiente para a concessão de recursos aos alunos que não são devidamente orientados no passo-a-passo do processo. Mas isso quando há essa previsão orçamentária porque cada instituição tem autonomia para estabelecer normas e a administração de algumas se assemelham deveras a pequenos feudos administrados pelos docentes e funcionários mais antigos. Possivelmente a orientação dada aos docentes não é melhor, e os mesmos só levam vantagem em função de permanecerem mais tempo vinculados a instituição e aprenderem os meandros do caminho devido a frequência de pedidos.
No terceiro caso, devem os autores deixar de publicar numa revista de melhor impacto por causa de uma regrinha boba e possivelmente informal de discriminação de artigos escritos por mestres? Essas regrinhas são uma pedra no sapato dos pesquisadores. No Brasil, congressos e revistas estabelecem limites de autorias de um modo bastante religioso. “- Por que só podem 4 autores? – Porque Deus quis assim!”. Fico imaginando o triste caminho de uma pesquisa com seis autores querendo ser publicada num periódico de Contabilidade no Brasil. Descontada as 15 revistas que não informam o limite de autores em seus sites, 14 limitam em cinco e 9 limitam em 4.
Da mesma forma os congressos estão apresentando um comportamento bastante atípico. Um congresso muito famoso de Contabilidade no Brasil está limitando o número de trabalhos a ser apresentado por autor em 1 (um) apesar de que cada autor pode enviar até 3 trabalhos. Outro evento igualmente importante começou a indicar que cada autor pode publicar até 3 artigos mas só pode figurar como autor principal em somente um. Ou seja, se você foi autor principal em três artigos, escolha só um pra enviar. Ou opte por ser humilde e caridoso e ceda a posição de autor principal ao coleguinha.
Talvez isso ocorra para poder fazer aumentar o número de inscritos nos eventos. Talvez isso ocorra para estimular a prática de pesquisas em grupos. Talvez isso ocorra porque assim os autores são estimulados a fazer menos pesquisas mas com maior qualidade. Talvez isso ocorra porque enviar artigos ao Enanpad seja muito caro.
Será que o excesso de regrinhas das quais os autores não concordem não pode levar os autores a abraçarem a publicação não regulamentada do SSRN? E será que a facilidade de criar um canal no Youtube e a possibilidade de gravar vídeos em praticamente qualquer celular não pode levar a autores a começarem um movimento independente de divulgação de pesquisas?
p.s.: Bem fez o Pacioli, que escreveu o Summa sozinho. Até onde se sabe.
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